quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

Um conto de Natal

Não há melhor época do ano do que esta. Nenhum mês consegue superar dezembro. Na culinária é goleada. Rabanada, chocottone, chester, peru, pernil, tender e até algumas frutinhas para não desperdiçar. E para aqueles que estão de dieta, ou são moradores de rua, aquela sopinha sempre vem a calhar. A decoração também não fica atrás. O vermelho e o verde cintilantes como o próprio Sol imperam por toda a cidade. Às vezes acompanhados do dourado ou do prata eles se fazem presentes nas fachadas, nas paredes, nos telhados, nas calçadas e até nas privadas (papo sério!). E mais importante, o espírito natalino se instaura no coração das pessoas. No natal qualquer grupo de pessoas arranja uma desculpa para trocar pelo menos uma “lembrancinha”. São os colegas de trabalho, os amigos do bairro e da faculdade, o pessoal da igreja, os familiares, os miguxos do orkut, etc. Tem amigo oculto (ou secreto) para todos os gostos e grupos sociais, até o povo que espera o 457 todas as manhãs fez um. E como já era de se esperar deste blogueiro que vos fala, nesta época de fraternidade e paz entre as pessoas de bem nada melhor do que uma pequena historinha de dor, sofrimento e desespero para botar água no chopp dessa galera toda.

Aproveitando a ocasião hoje irei contar como foi minha viagem a Natal, no Rio Grande do Norte. E te aviso, neste post você encontrará mais angústia e aflição do que nas letras de My Chemical Romance, Simple Plan e Good Charlote juntas. Lá na ponta do País, no inconveniente Nordeste. Terra de beleza incomparável, seca implacável e gente miserável. Que deveria muito bem ter ficado com os holandeses. Se bem que ai seria um outro país, tipo Nova Amsterdam do Sul. Mais pelo menos ia ser mais barato viajar pra lá para se drogar, comer prostitutas numa manhã de quarta-feira numa pracinha infantil e praticar vários abortos (não que eu seja fisicamente capaz disso, mas uma vez em Roma...). E o melhor dessa filial Sul-americana, é não ser obrigado a ver todo o resto daquele negócio decrepito que chamamos respeitosamente de Europa.

Voltando aos tupiniquins, ou no caso aos potiguares...viajando para Natal aprendi o quão verdadeiramente cruel pode ser a expressão “padecer no Paraíso”. Pois não se enganem por este relato, a cidade de fato tem todas aquelas coisas que os programas de turismo adoram. Água limpinha – transparente de perto e azul meio topázio de longe -, uma mata verde semi virgem (como quase tudo hoje em dia) e as mais diversas maravilhas naturais, inclusive as tais dunas onde boa parte da novela o Clone foi gravada. Enfim, tudo aquilo que todo mundo está louquinho para ver...MENOS EU. Natureza definitivamente não é meu forte, principalmente praia, principalmente mata, principalmente qualquer coisa que não tenha sido feita pelo Homem e que polua para existir. Para se ter uma idéia, eu, enquanto carioca orgulhoso que sou, só fui a praia por aqui umas 5 vezes (ou menos). Três delas este ano e todas elas arrastado por amigos. Como vocês podem ver num destes postes anteriores.

Agora, para as pessoas que devem chegar a conclusão óbvia que qualquer símio retardado com um prego enferrujado na mão chegaria: então porque raios você foi lá, hein, seu estrupício?! Simples, o dever me chamou. Fui convocado a apresentar um artigo (cof, cof) que fiz em conjunto com meus colegas de iniciação científica (cof, cof), dentre os quais se inclui a Mari , no congresso nacional da instituição mais importante (?) da Comunicação Social atualmente o Intercom da Intercom (cof, cof, cof, cof, cof, cof...). Como nem são malandros, os ilustres doutores acadêmicos da Comunicação decidiram marcar um evento numa cidade litorânea, semi-paradisíaca coincidentemente na baixa temporada. Pobrezinhos, ter de viajar as custas de suas respectivas universidades (só a passagem e a diária, que claro) para um local que tem Sol e água a temperaturas ungongo agradáveis durante todo o dia. Que suplício! Mas tudo em nome da Ciência...das Humanas pelo menos (ou seriam Sociais aplicadas?).

E quem sou eu para reclamar?! Talvez a única pessoa que realmente não se importa com nada disso (isso se algum sulista infeliz teve que ir de ônibus, mas eu duvido muito disso. Se houve, minha dor não é nada comparada a dele, e quero que ele/ela saiba que suicídio não é vergonha).

Continuando este relato sádico de degradação psicológica e destruição das noções mais elementares de fé, personalidade, caráter e humanidade, agora vem a melhor parte, por assim dizer, o trajeto em si. Porque não pensem que sou algum fresco que só por causa de algumas adversidades vai ficar choramigando por 4640 caracteres, com espaço incluso (agora 4680).

Existem poucas coisas na vida que você pode dizer de verdade, de todo o coração, que são piores que a morte. Viajar num ônibus por aproximadamente 56 horas definitivamente é uma delas.

Quando você viaja representando sua universidade seja para um concurso de soletração em Esperanto ou para um centro de pesquisa com células tronco, o pessoal encarregado de pagar o negócio sempre vai arranjar o método mais barato possível para que você chegue ao seu destino. Pode até ser perigoso desde que o indivíduo chegue vivo (não necessariamente inteiro) e sobre dinheiro para a reforma do gabinete do reitor. No caso de um professor o prognóstico é um pouco melhor, porque eles tem que dar o máximo de “aulas” até o dia em que tiverem que parar. Então não compensa o camarada perder tempo no trajeto fazendo absolutamente porra nenhuma enquanto o contribuinte está pagando o salário do infeliz (o que na prática não seria muito diferente do que alguns já fazem). Contudo, quando o aluno sai para representar a universidade a coisa muda de figura. Ele tem que chegar lá, já que a participação de discentes em qualquer evento extra campus é tao importante quanto a de seus mestres, mas realmente não importa como. Por mais degradante e, principalmente, econômico que seja. Isso porque é consenso geral que gastar dinheiro com aluno é um grande desperdício, sendo melhor comprar TV`s de plasma para o hall ou então papel higiênico dupla-face perfumado para os banheiros dos funcionários.

Tendo isto em mente, os responsáveis fretaram um suntuoso ônibus com ar-condicionado, DVD player, frigobar e até cadeiras minimamente confortáveis para pessoas de até 1,80 (pena que eu tenho 1,98). Contudo, eu trocaria tudo isso por um teco-teco sujo em que as pessoas tivessem que ir sentadas em cima de gaiolas de pombos angolanos, já que ele me levaria para Natal em menos de 10 horas. Por Deus, eu pegaria até um avião da TAM partindo de Congonhas pilotado pelo John McCain (imagina azar maior que esse?).
Sei que grandes personalidades como Lula, minha mãe e até a Patricia Pilar (numa outra novela a long time ago) tiveram que fazer um trajetos similares ao meu em boleias de caminhão ou até a pé, mas isso não muda o fato de ter sido horrível para mim.

Agora você deve estar imaginando. Eita gordinho viado, no ônibus deve ter rolado a maior orgia, mas aposto que ele não deve gostar de mulher também. Não meu caro, por acaso eu sou muito fã de uma boa orgia e a julgar pelos passageiros (ou melhor, passageiras) até que uma surubinha (não o peixe) viria a calhar. Mas não. Até esse pequeno consolo (ironicamente nos dois sentidos da palavra) me foi negado. Porque num assombro de malévola criatividade, meus queridos diretores decidiram infiltrar uma espiã no busão e assim melar com a festa da galera, ou melhor, acabar com uma futura melação da galera. Imagina só tentar iniciar um rala-e-rola coletivo sem acordar a tia da secretaria. Se bem que ninguém perguntou se ela estaria interessada em se juntar a uma possível fudelança conjunta, mas tenho a leve impressão que ela recusaria. E olha que a honorável casal dupla de diretores nem precisa ter escalado a tia Vera, porque até camisinha vinha no ônibus. Qualquer celebração aos moldes da São Francisco hippie de 19NE69Grito estaria mais do que protegida (só não tinha o meu 44 GG :().

Ao invés disso, o frescão (o onibus, não seus tripulantes) honrou seu nome e durante as 56 horas de viagem só se ouvia Lisa Mineli, Whitney Houston e um ocasional proib
idão. Enfim, um pout pourri de tudo que mais prezo na música. Só faltou o tio da Mari, o Frank Aguiar. Se não bastasse a escolha infeliz de playlists o caminho em si não era muito favorável a meu gosto delicado. Na verdade, ao gosto de ninguém. Era verde para tudo quanto é lado. Na direita, na esquerda, atrás, na frente. Isso sem contar a camisa do Palmeiras que meu coleguinha de poltrona estava usando. Com tanto uniforme para escolher tinha que ser justamente a marca-texto?! Me sentia como Nicolas-Antoine Taunay no século XIX, um paisagista cercado de verdes por todos os lados em mais de mil tonalidades diferentes. Isso porque eu nem falei da Bahia, a bendita terra das oxítonas tônicas. Que aquele lugar é um saco ninguém duvida. É tanto acarajé, axé, candomblé, bafomé, que você até desaprende a falar. Sorte que a gente não parou lá (fora as vezes que a gente se perdeu ou o ônibus quebrou), a verdadeira merda da Bahia é que aquela porra é grande para caralho. É mais fácil tu atravessar o Amazonas com um barquinho de papel do que ir pela tal da BR num sei das quantas. Parece que você entra num modo de slow motion perpétuo quando você passa pela fronteira. Devia ter uma placa, “Você está na Bahiiia. Vá Dévagar”. Mas podia ser pior. Eu poderia ser um cara negro chamado Barack Houssein tentando ser presidente da nação conservadora e racista (não são necessariamente sinônimos) mais poderosa do hemisfério norte ocidental (com essa crise queria o quê?! Eu ainda fui muito legal isso sim).



Após os quase 3 mil km de um Rio a outro (de janeiro para o do norte), os quais pude contar centímetro por centímetro da minha janela (diversão na certa). Finalmente chegamos a nosso destino o infame albergue Lua Cheia que possui a infeliz alcunha de “o albergue da bruxinha”. A escolha do local fez parte de mais uma iniciativa para contensão de gastos, dessa vez, de nossa parte. Por sorte nossa, só o nome do lugar era tosco e até que a estada foi agradável. O único problema é que os albergues assim como os hotéis também tentam roubar seu dinheiro (no sentido figurado, calma). Só que numa proporção bem menor, já que eles são hoteleiros de família. Ao invés de te cobrar 400 reais por uma latinha caviar que na verdade é atum com gosto de palmito e que parece tamarindo, eles te cobram 2 reais por uma fitinha no braço de identificação no braco que custa 0,15 centavos no varejo. E o festival de overcharging se seguiu durante toda a estadia. Eram sabonetes de 2 reais, cadeados de 8,95 e por ai vai..

Como a tática da rede hoteleira é tapear divertindo, pelo menos as recepcionistas eram gostosas e simpáticas (algumas só simpáticas). O que me causou muito espanto devido a quantidade de hóspedes bêbados, irritantes e mimados (vide eu) do pseudo-hotel. Porém, o que garante mesmo o leitinho das crianças e os presentes no final do ano são os passeios que eles organizavam. Dentre os quais o passeio de bugre pelas dunas. sem dúvida o hadouken das atrações turísticas de lá. Realmente ele vale um capítulo só dele, mas como eu já estourei em muito a média de leitura inútil na internet não farei isso.

Se você é como os universitários brasileiros e gosta de emoções fortes este passeio é uma ótima opção. Nada melhor do que pagar caro (muito caro) para um paraíba safado tentar te matar de todas as maneiras possíveis e imagináveis dentro de um veículo automotor. Nem pegando o trem para Japeri com 3 mil reais dentro de uma bolsa original da louis vitton você tem tanta adrenalina. Além disso quase me afoguei em médio-mar. Foi quando descobri que não é nada legal perceber dentro d’água que você não consegue boiar, nem mesmo usando aqueles coletinhos super cafonas.

A noite, acompanhei meus professores (e a galera do mestrado) em conversas de mesa de bar. E ouvi deles coisas que me deixaram chocado e estarrecido. Mas, acima de tudo isso, descobri que ir a um congresso pode ser uma tarefa muito desgastante se você pretende de fato assistir ao congresso.

Ah, a volta para casa foi igualmente tediosa. Eu até inventei uma greve de fome para ver se o motorista ia mais rápido. Acabei perdendo 12 quilos.
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The Post Scriptum section


Este foi o monstruoso relato da monstruosa viagem a Natal.



*José Messias é um sujeito chato que acha macacos, praia, carro, palhaços, tobogãs e feriados...um saco. Ele apóia todas as formas pagãs de adoração e é autor dos seguintes best-sellers “Manual de sobrevivência do escoteiro perneta”, “Mil e uma maneiras de se estragar um feriado cristão” e “Piadas anti-semitas para o seu Bar Mitzvah”.

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